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Os casos de racismo ocorrem rotineiramente no nosso país e em todo o mundo. Esse tenebroso quadro atormenta os negros há séculos. Por isso, muitos possuem a falsa e pessimista ideia de que o mundo “sempre foi assim e sempre será”, ou seja, que, independente dos nossos esforços, o racismo sempre existirá.

Todavia, de acordo com os estudiosos do tema, o racismo é uma invenção moderna. Segundo o historiador americano George Fredrickson, a visão dominante entre os especialistas da área é a de que inexistia um conceito equivalente ao de “raça” entre os gregos, romanos e primeiros cristãos. Portanto, como escreveu o historiador Frank Snowden, a sociedade da antiguidade “nunca tomou a cor como base para julgar um homem”.

Isso não significa que não existiam etnocentrismo e intolerância religiosa (o antissemitismo, por exemplo, já era comum no Ocidente), mas essas duas doenças sociais não podem ser equiparadas ao racismo, pois, como explica Fredrickson, um pagão podia ser convertido e um estranho étnico assimilado à tribo, até o ponto no qual suas origens perdessem importância significativa. O racismo, a pior dessas mazelas, cria uma barreira maior, pois estabelece uma hierarquia racial entre os homens.

Em relação ao mais comum e impactante tipo de racismo no Ocidente nos tempos atuais – o preconceito racial contra negros – Fredrickson outrossim nega sua origem no período medieval e o define como “principalmente um produto do período moderno”. Em razão disso, importante esclarecer que a escravatura dos negros nas Américas não ocorreu em razão da cor da pele (ou por motivos religiosos), mas, segundo o historiador Eric Williams, em decorrência do baixo preço da mão de obra africana.  E é daí, da escravatura dos negros, que nasce o conceito de raça e o racismo, como demonstra com clareza a historiadora brasileira Célia Maria Marinho de Azevedo:

o tráfico de africanos pelos comerciantes europeus e sua subsequente escravização em terras americanas abriu paulatinamente caminho para a invenção da ideia de raça (…) podemos perceber a emergência histórica do racismo como uma prática discursiva que se institui no início da modernidade no século XVI e que se desenvolve em termos mais sistemáticos, já dentro do campo das ciências biológicas e humanas, ao longo do século XIX e primeira metade do século XX.

Pois bem, nós inventamos o racismo; e se inventamos, podemos destruí-lo. Como? Inúmeros fatores são importantes, como a redução da desigualdade social ainda gritante.

O repúdio a ofensas e “piadas” racistas configura outra questão essencial. Porém tem sido tachado injustamente no Brasil de “onda do politicamente correto”. Há uma perversa inversão de valores: “corajosos” se revoltam por não mais poder ofender minorias com a desculpa do “era só uma brincadeira”. Eles são o que denomino de “brincanalhas”; aqueles que, sob  o escudo do “humor”, dizem barbaridades inaceitáveis.

Contra o “politicamente correto”, algumas pessoas, ignorando o contexto histórico, costumam perguntar: “se posso ser chamado de palmito por ser branco, por que não posso chamar um negro de macaco? ”. A diferença é ululante! São os negros (e não os brancos) as vítimas de preconceito real na nossa sociedade: seu cabelo é considerado “ruim” e seus traços “grosseiros”; são constantemente parados e revistados injustamente pela polícia; despertam os olhares dos seguranças quando entram nas lojas; entre tantos outros absurdos. Ademais, a comparação com macacos existe desde o século XIX numa tentativa de desumanização do homem negro, de rotulá-lo como algo menor que “um ser humano”. Por outro lado, jamais ocorreu a associação entre brancos e “palmitos” naquela mesma diretiva.

Portanto, em razão daquele processo histórico acima explicado que levou à invenção do conceito de raça, pode-se dizer que quando se xinga um homem branco, ofende-se apenas um homem, pois ser branco jamais foi depreciativo no Brasil. Porém, quando se xinga um homem negro pela sua cor, xinga-se todos os negros; pior ainda, ofende-se toda a humanidade ao relativizar-se (mesmo que indiretamente em alguns casos) o período tenebroso da escravatura que gera consequências até os dias atuais.

Assim, quando o brasileiro de qualquer cor, ao ouvir um insulto ou mesmo uma “piada” em razão da cor do homem negro, começar a reagir como se tivesse recebido uma afronta pessoal e direta; quando se sentir responsável e envergonhado por todas os racistas e por todo o racismo ainda existente na nossa sociedade; aí, sim, venceremos e destruiremos o que jamais deveria ter sido criado.

Fontes:

AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo. São Paulo: Annablume, 2004.

FREDRICKSON, George M. Racism: a Short History. Princeton: Princeton, 2002

SNOWDEN JR., Frank M. Before Color Prejudice. The Ancient View of Blacks. Harvard University Press, 1991.

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