Não considera Dan Brown (autor de “O Código da Vinci”, entre outros) um grande escritor? “Escreva um livro melhor e que venda milhões de exemplares” (como se popularidade fosse sinônimo de qualidade nas artes!). Pensa que determinado lutador errou numa disputa de MMA? “Entra lá no ringue então e faça melhor! ”
Fácil perceber a falácia ad hominem: ataca-se a pessoa e não seus argumentos. Porém, infelizmente, essas frases vazias são comumente direcionadas a quem ouse criticar qualquer assunto que não exerça como profissão ou sobre o qual não possua conhecimento específico. Entretanto, incoerentemente, essas mesmas pessoas, contumazes em utilizar esse tipo de “argumento”, não hesitam em xingar um atacante da seleção quando perde um “gol feito”. Certamente, quase todos elas não possuem a mínima capacidade técnica para figurar num jogo profissional de futebol. Também criticam justamente os equívocos dos nossos prefeitos, governadores e presidente, sem muitas vezes possuir nem sequer a capacidade de administrar as próprias finanças ou do condomínio onde mora, quanto mais uma cidade, estado ou país. Nessas horas, ignoram convenientemente o “vá lá e faça melhor”.
Importante dizer que não se defende aqui que a opinião de todas as pessoas tem o mesmo peso ou que não há áreas nas quais apenas os especialistas devem ser ouvidos. Todavia, há situações extraordinárias, erros tão simples e obviedades em várias áreas que extrapolam a necessidade de um conhecimento específico, nas quais mesmo um leigo pode enxergá-las. Diversos são os exemplos. Vejamos.
Em geral, realmente apenas um profissional da área da saúde pode opinar pela existência ou não de “erro médico”. Mas mesmo um leigo é totalmente capaz de apontar o equívoco de um cirurgião que esquece um bisturi dentro do corpo do paciente, ainda que incapaz de realizar pessoalmente tal procedimento cirúrgico.
Somente um especialista em jiu-jitsu (ou “graplling” em geral) pode avaliar a melhor saída para determinada posição complexa no chão numa luta de MMA. No entanto, até um leigo pode ver o erro de um lutador que de forma debochada abaixa a guarda e “dá o rosto” para o adversário socar (exemplo: Anderson Silva contra Chris Weidman) ou que por vaidade pessoal tenta finalizar um lutador já praticamente desmaiado (exemplo: Minotauro contra Frank Mir).
Apenas um especialista em táticas do futebol, estudioso da área (seja jornalista, treinador ou ex-jogador), em tese, tem capacidade para analisar de forma convincente as variações técnicas e táticas de determinada equipe. Mas mesmo o fã corriqueiro do futebol (sem o mínimo talento para o esporte) facilmente pode enxergar o erro de um atacante que perde um gol na pequena área, sem goleiro.
Estudiosos da literatura (muitos nunca escreveram um romance) podem avaliar de forma satisfatória as influências e idiossincrasias do pensamento de gigantes como Tolstói e Dostoiévski e de grandes mestres contemporâneos como o americano Cormac McCarthy. Contudo, até um leitor ocasional (sem a necessidade de ter escrito livro algum) consegue perceber a diferença na profundidade e complexidade entre os escritos de Dan Brown e Dostoiévski. O americano escreve livros populares de fácil leitura – ótimos para passar o tempo, por sinal. O russo escreveu livros que estimulam profundamente a reflexão sobre o caráter humano, que fazem com que o leitor efetivamente pense sobre si e seu lugar no mundo.
Portanto, caro leitor, se você é da turma do “vá lá e faça melhor”, abandone esse discurso vazio e perceba que também critica quem exerce atividades que você não domina. Ainda bem que o faz, pois se você tivesse razão, viveríamos num mundo muito chato, no qual apenas especialistas poderiam se manifestar sobre os assuntos mais comezinhos. Abandone o ad hominem. Eu sei que é mais difícil, força você a pensar, mas vale a pena. Ataque os argumentos e não a pessoa que os profere.
Se não gostou do texto, vá e escreva um melhor então*.
*Brincadeira, claro, para que possam perceber a tibieza do argumento.