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Está em curso no Congresso Brasileiro, mais precisamente na Câmara dos Deputados, uma tentativa de impedir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Apesar de patente inconstitucionalidade, pois o Supremo Tribunal Federal assegurou tal direito em 2011 e nossa ordem jurídica obedece ao princípio da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais, tal projeto será votado em breve pela Comissão de Previdência e Família.

O relator, Deputado Pastor Eurico, justificou em bases religiosas o acolhimento da proposta que alteraria o Código Civil e proibiria o casamento homoafetivo.

Utiliza-se o argumento de que o casamento é uma instituição religiosa e, portanto, deveria respeitar os preceitos religiosos (no caso brasileiro, os valores cristãos).

Ora, para rebater esse argumento, pode-se valer do saudoso e grande escritor britânico C.S. Lewis, mais famoso como autor das “Crônicas de Nárnia”. Anglicano, ele escreveu diversas obras em defesa da fé cristã, como “Cristianismo Puro e Simples” (publicado em 1952, baseado em seus discursos na BBC entre 1941 e 1944), na qual consta a seguinte passagem em relação ao divórcio:

Antes de deixar a questão do divórcio, gostaria de esclarecer a distinção entre duas coisas que geralmente se confundem. Uma delas é a concepção cristã de casamento; a outra, completamente diferente, é se os cristãos, enquanto eleitores ou membros do Parlamento, devem impor sua visão do casamento sobre o restante da comunidade, incorporando essa visão às leis estatais que regem o divórcio. Um grande número de pessoas parece pensar que, se você é cristão, deve tentar tornar o divórcio difícil para todo o mundo. Eu não penso assim. Pelo menos creio que ficaria bastante zangado se os muçulmanos tentassem proibir que o restante da população tomasse vinho. Minha opinião é que as Igrejas devem reconhecer francamente que a maioria dos britânicos não são cristãos, e, portanto, não se deve esperar que levem uma vida cristã. Deve haver dois tipos distintos de casamento: um governado pelo Estado, com regras aplicáveis a todos os cidadãos, e outro governado pela Igreja, com regras que ela mesma aplica a seus membros. A distinção entre os dois tipos deve ser bastante nítida, de tal forma que se saiba sem sombra de dúvida quais casais são casados pela Igreja e quais não.

Em tempos longínquos, o respeitado autor já reconhecia a importância do Estado Laico e a diferença entre a vida civil e religiosa. Facilmente possível aplicar seu raciocínio para atual discussão sobre o casamento homoafetivo…

Pensemos em nosso país que possui membros de diversas religiões (inclusive os que não a possuem, como ateus e agnósticos). Deveria ser proibido o consumo de álcool por causa da crença dos muçulmanos? Deveria ser impedido o consumo de carne bovina para não ofender os hindus, ou de carne suína por ir de encontro à fé dos judeus e muçulmanos? Certamente que tais vedações seriam extremamente injustas a quem não segue aquelas religiões; de igual modo seria a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo em relação aos que não seguem determinada Igreja Cristã.

Há quem argumente que o Brasil é de maioria cristã, e são esses os valores que deveriam sempre prevalecer. Ora, o Brasil é um país de maioria católica (como este que vos escreve); os evangélicos (ou outro grupo) aceitariam imposições de valores católicos, estranhos ao protestantismo, em suas vidas? Também importante relembrar que há no Antigo Testamento versículos não mais observados que chegam a determinar que não se consuma camarão ou se vista determinado tipo de roupa.

Portanto, caros leitores, resta fundamental entender que a laicidade do Estado não configura uma artimanha para excluir a fé cristã ou impor valores ateus; ela é essencial em qualquer país democrático, pois protege todos, inclusive os religiosos.

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