Comum ver por toda a internet (exemplos nas imagens abaixo) pessoas e páginas denominando Arthur Antunes Coimbra, o Zico, como o meia com mais gols na história do futebol. Entre jogos oficiais e jogos hoje não considerados oficiais, ele marcou 826 tentos, segundo o seu próprio site. Há controvérsias em relação ao número de gols “oficiais” (essa mania anacrônica europeia de reescrever a história do nosso futebol) — geralmente se fala em pouco mais de 500.
Embora tenha sido um grande gênio do futebol (para mim, facilmente um dos 15 maiores jogadores em todos os tempos), a lenda flamenguista não pode ser detentora do recorde de gols anotados por um meia, em razão dos argumentos expostos a seguir.
Inicialmente, essencial relembrar como a maioria dos times brasileiros atuava desde o final dos anos 50 até o final dos anos 80: o 4-2-4. Do meio de campo até o ataque, as equipes eram formadas por um volante (o camisa 5), um meia-armador (o camisa 8, também chamado de meia-direita), um ponta de lança (o camisa 10, de igual modo denominado de meia-esquerda), um ponta direita (camisa 7), um centroavante (camisa 9) e um ponta esquerda (camisa 11). Alguns times invertiam os números dos meias-armadores e ponta de lança, assim o armador jogava com a 10 e o ponta de lança com a 8 — no Palmeiras, por exemplo, Ademir da Guia, meia-armador, vestia a 10 e Leivinha, ponta de lança, vestia a 8. Vale ainda dizer que em Portugal, ponta de lança é sinônimo de centroavante; não no Brasil, onde o ponta de lança jogava sempre atrás de um centroavante.
Na imagem acima, vemos Zico na votação de bola de prata da Placar, não como meia-armador, mas como ponta de lança, posição que exerceu em seu auge no Flamengo. Sim, a equipe carioca também atuava no esquema tradicional, haja vista o time campeão mundial de 1981: volante (Andrade), meia-armador (Adílio), ponta de lança (Zico), ponta direita (Tita), centroavante (Nunes) e ponta-esquerda (Lico). Vê-se no desenho tático abaixo que o 4-2-4 parecia um 4-2-3-1 atual.
O mestre Tostão, outro magnífico ponta de lança (apesar de ter jogado improvisado de centroavante na Copa de 1970), explica como atuava o Galinho:
Para complementar o tema, vale mencionar lições de André Rocha e Paulo Vinicius Coelho (PVC), competentes jornalistas.
André Rocha:
(…)
PVC:
Nota-se que, corretamente, Tostão, PVC e André Rocha agrupam Pelé e Zico na mesma posição: ponta de lança. Assim como o santista, o flamenguista era o grande artilheiro do seu clube, armava jogadas, mas não era o principal organizador da equipe; função do meia-armador. Mister salientar que Rocha claramente diferenciou o Zico do meia-armador, quando destacou que aquele apenas “recuou para pensar o jogo de trás” em 1989, último ano dele no Flamengo. Para mais detalhes sobre a posição do Rei, recomendo a leitura do meu artigo “Pelé era um autêntico camisa 10: a posição do Rei em campo e as táticas da era de ouro do futebol brasileiro”. Você pode conferir diversas evidências, como esta: o próprio gênio santista se declarando um jogador de meio de campo (vídeo abaixo):
Ora, o leitor mais atento provavelmente já previu as conclusões desse texto. Se por meia, considera-se o meia-armador, Zico não atuava nessa posição e não pode ser listado como tal. Se por meia, fala-se no ponta de lança (algo próximo do meia-atacante atual), então Zico não pode ser tachado de meia com mais gols na história do futebol, pois existiu um tal de Pelé, que fez 1.283 gols (ou 767 gols em jogos “oficiais”).
Gabriel
Parabéns pelo texto, amigo! Como sempre abalizado por muito conteúdo! Saudações e Pelé Eterno!
Drigo Costa
Boa análise. Em minha humilde opinião os comentaristas não diferenciaram o que é um meia de armação de um meia de criação. A armação do Flamengo era com os gigantes Andrade e Adílio com forte suporte dos laterais Junior e Leandro quando fechavam. A criação começava com Zico, ligando o meio ao ataque. Ele era meio-campo de criação e não de armação, apesar de as condições do jogo o levarem à armação esporadicamente. Portanto vejo ele meio-campo e não atacante. (É o meu ver apenas)
Otávio Pinto
Obrigado, Drigo Costa. O meia de armação era o camisa 8, o meia-armador (ou meia-direita). Enquanto jogadores como Zico e Pelé, camisas 10, ocupavam a posição de ponta de lança (ou meia-esquerda); esses craques, além de participar da criação de jogadas, entravam muito na área para finalizar (por isso, muitos eram artilheiros das suas equipes).
Tiago
Matéria paulista é tenso kkkk
Otávio Pinto
Sou baiano e torcedor do Bahia.
André
Meia armador e meia de criação jogavam no… meio campo. A diferença é que o ponta de lança criava e ainda chegava na área para finalizar. Sem o ponta de lança a criação praticamente não existia e a bola não chegava ao ataque e o Zico, assim como o Pelé, foram as maiores referências.
Matéria bem escrita mas Zico era meia, assim como o Pelé…
Otávio Pinto
Obrigado, amigo.
Apenas uma observação: na minha opinião, Zico e Pelé foram meias-atacantes (meias, portanto). O ponto principal do artigo é dizer que Zico não pode ser o maior artilheiro da posição, pois, como você corretamente escreveu, Pelé jogou na mesma função. Abraço.
*Leia, se possível, meu artigo específico sobre o Pelé; menciono o Zico também: https://otaviopinto.com/index.php/2016/07/14/pele-10-tatica